“Luciana, médica, cujo desemprego súbito do marido fez ruir a estrutura económica do lar de nove filhos. Sem ele saber, sem o magoar de vergonha, pediu apoio alimentar para uma casa onde nunca tinha faltado nada.”O sobrendividamento leva as culpas dos mil e um casos verídicos de gente que ficou com a corda ao pescoço. O Banco Alimentar Contra a Fome acorre-lhes, enquanto a sua directora aparece aflita nos media a falar nos “novos pobres”.
Isabel Jonet explica que se trata de pessoas empregadas, instruídas, socialmente integradas, mas, ainda assim, vítimas da pobreza. Nos últimos três meses, chegaram ao Banco Alimentar de Alcântara 250 casos, 30% dos quais se enquadram nesta nova categoria, conta.
E não posso deixar de me questionar se aquele pacote de arroz que doei não terá acabado na mesa de um velho castelo em ruínas de um qualqer nobre falido, cujos filhos tratam com desprezo a empregada a quem não pagam há meses. Já para não falar no velho rolls que, sem gasolina, fica à porta (o importante é manter as aparências).
Os pobres tradicionais têm as suas perspectivas barradas pela marginalização e pela descriminação. Nada lhes pode valer senão a caridade. E os novos pobres, não podem trabalhar noutra área, vender um dos carros, passar os miúdos para a escola oficial?
As famílias tradicionalmente carenciadas aparecem no banco alimentar, enquanto os novos pobres “gritam por ajuda, envergonhadamente, através do correio electrónico.” E contiuno a questionar-me: com tanta pobreza, a linha da internet ainda não foi cortada?
E da próxima vez que me cruzar com os meninos bem intencionados do Banco Alimentar, não sei se vou estar em condições de contribuir. Afinal, bem feitas as contas, depois das sucessivas das taxas de juro, manter os carros, os colégios, os empréstimos e as férias tem sido cada vez mais difícil. Já sei, vou mandar um email ao Banco Alimentar.
Tenho muita pena que a Luciana morra de vergonha. Mas,
por mim podem morrer todos de vergonha, desde que não continue a haver quem morra de fome.